Matutino foi fundado na rebeldia da ilha, em 1951, por José Ribamar Bogéa - Zé Pequeno
Hoje, 29 de maio, faz 57 anos que o Jornal Pequeno surgiu. Foi em 1951, num ano de ebulição social, com muito descontentamento popular e agitação política. Os jornais da época eram todos vinculados a partidos ou grupos políticos. O Combate, O Jornal do Povo, A Tribuna ligavam-se aos partidos de oposição; O Imparcial e O Globo, pertencentes à cadeia dos Diários Associados, dirigidos habilmente por José Pires Saboya, davam discreto apoio ao governo. Já o Diário de São Luís e o Diário Popular defendiam a toda brida ao governo. Tempo de muita emoção e pouca reflexão.
O povo de São Luís estava revoltado. Motivo: sentia-se logrado porque o candidato de sua preferência, Satu Belo, havia morrido antes de serem concluídas as apurações e o TRE - Tribunal Regional Eleitoral, proclamara Eugênio Barros governador do Maranhão, considerando que ele estava com 30 votos à frente, quando Satu Belo morreu, deixando, portanto, Eugênio sem concorrente e com a liderança do pleito.
Nas apurações totais, Satu Belo obtivera 85 por cento dos votos válidos de São Luís e surpreendera com uma expressiva votação no interior, notadamente nas sedes dos municípios. O PST Partido Social Trabalhista, partido do governo, entrou com os recursos anulando mais da metade dos votos de São Luís e impugnando centenas de urnas dos municípios onde Satu Belo fora bem votado. O candidato das Oposições Coligadas - PSP, PTB, UDN, PDS e PR - que se encontrava na ponta e já considerado o governador do Maranhão ficou atrás e Eugênio Barros pulou para o primeiro lugar.
São Luís, antes pacata e ordeira, transformou-se numa fogueira de emoções. O TRE diplomou Eugênio Barros governador do Maranhão. A revolta cresceu mais. As residências dos juízes do TRE foram depredadas e a cidade se inflamou toda. A praça João Lisboa virou praça da Liberdade e o sobradão da viúva Torquato Machado (mãe do poeta Nauro Machado), o quartel general da revolta. Instalou-se a desordem. A população estava inconsolável. Os soldados da liberdade tomaram conta das ruas.
O TRE proclamou Eugênio Barros governador do Maranhão mesmo sabendo que os votos subjudice, anulados pelo PST, superavam a diferença entre Eugênio e Satu Belo. O mandato do governador Sebastião Archer terminara. Os novos deputados não tinham assumido. Coube ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Trayu Moreira, suceder a Sebastião Archer e passar o governo a Eugênio. A revolta aumentou. Eugênio segurou firme e convocou a Assembléia Legislativa e aguardou que elegesse o seu presidente. O deputado César Aboud foi eleito. Eugênio pediu licença e entregou-lhe temporariamente o governo, deslocando-se ao Rio de Janeiro, então capital federal, para acompanhar o desfecho dos recursos impetrados pelas Oposições Coligadas junto ao TSE - Tribunal Superior Eleitoral.
O período de março a setembro de 1951 foi de expectativa. Os generais da Liberdade - Neiva Moreira, Clodomir Millet, Clodomir Cardoso, Lino Machado, Maurício Jansen, Edson Brandão, Fernando Viana e outros mantinham acesa a esperança de que o TSE determinaria as suplementares ou nova eleição para governador. Os jornais O Combate, o Jornal do Povo e a Rádio Ribamar veiculavam as mensagens opocionistas. O Diário Popular (Diário de São Luís fora queimado na primeira greve I do ano) e a Rádio Timbira divulgavam sões favoráveis a Eugênio e os deputados Lister Caldas, Newton Bello e Djalma Britto sustentavam publicamente a vitória do candidato de Victorino Freire. César Aboud se comportava no Palácio dos Leões como um governador de conciliação, tentando apaziguar os ânimos até desfecho final da Justiça.
O comandante da 10ª Região Militar, Edgardino Azevedo Pinto, chega a São Luís observador do presidente Getúlio Vargas tropas federais nas ruas e a Polícia Militar colhe ao quartel.
Rapidamente, o general Edgardino Pinto é picado pela mosca azul. E começa um trabalho de articulação junto aos oposicionistas e a elementos ligados a Eugênio Barros para ser nomeado interventor do Maranhão por Getúlio Vargas. O general deixou sua posição de militar e passou a operar como autêntico político.
O povo revoltado nas ruas, líderes políticos o açulando; a Polícia Militar recolhida ao quartel e o encarregado pela segurança batalhando para abocanhar o poder e o governador com sua posição conciliatória querendo agradar a todos, não tomava medidas enérgicas. Centenas de casas eram incendiadas quase diariamente nos bairros pobres. Os soldados da liberdade espancavam qualquer pessoa que supunham ser vitorinista. O caos se estabeleceu. Os jornais de oposição trombeteavam uma versão e, ao mesmo tempo, os alinhados com Eugênio e Victorino publicavam outra. A própria imprensa desorientava o povo pela sua paixão ao enfocar os acontecimentos. Foi nesse ápice de contra-informações que José Ribamar Bógea lançou o Jornal PEQUENO, sem o objetivo de formar opinião, mas sim de interpretar os anseios do povo, retratando a realidade sem compromissos com facções políticas.
Logo, logo, na edição de 31 de maio de 1951, o Jornal PEQUENO lança um concurso para o povo indicar o candidato que iria disputar pelas Oposições Coligadas o governo do Estado. Em São Luís eram favas contadas a anulação do pleito de 3 de outubro de 1950 pelo TSE. O eleitorado acreditava que iria às urnas para escolher o novo governador, o sucessor de Sebastião Archer, pois não era possível que, Satu Belo, morto, fosse o seu nome para as eleições suplementares. Antenor Abreu, o seu vice, pela legislação vigente, não podia ser proclamado governador. Se houvesse eleições suplementares, seria somente para vice-governador, deputados federais e deputados estaduais. Satu Belo morto criava expectativa de nova eleição para governador. Vice-governador e deputados pouco representavam para o povo de São Luís, que queria mudança, alternância no poder. A apuração final do concurso do Jornal PEQUENO destacou 15 prováveis candidatos e os três mais votados foram Uno Machado 3.158 votos; Colares Moreira 1.349 votos, e Albuquerque Alencar 598 votos. Esta apuração se realizou no dia 12 de agosto de 1951.
O Jornal PEQUENO, com sua linha apartidária, conquistou rápido a confiança dos leitores. Uma hora desagradava às Oposições Coligadas, outra aos aliados de Victorino e Eugênio Barros. Abrigava articulistas dos dois lados, como Raposo Filho, Febrovino Lemo, Eyder Paes, Eldes Machado e Durval Cunha Santos. Em suas seções Espírito de Porco, Professor Borracheira, Cantinho do Leitor e nas matérias de sua linha editorial, o Jornal PEQUENO não se atrelava a ninguém nem a ideologia nenhuma. Havia críticas aos líderes das Oposições Coligadas como também em cima de Victorino Freire e Eugênio Barros. Não procurava distorcer os fatos, porque não havia segundas intenções. Houve dia em que, na mesma edição, Raposo Filho atacava Victorino e Eldes Machado defendia. Em suas notas, o Professor Borracheira e o Espírito de Porco espinafravam as lideranças oposicionistas e também Victorino Freire. No Cantinho do Leitor, as cartas recebiam o mesmo tratamento. Ninguém era discriminado por suas nuances políticas.[...]
A linha do jornal de Ribamar Bogéa seguia e segue um caminho independente porque ele acreditava que a verdade não tem dono e está solta, bastando dar asas à liberdade para vê-la pontificar.
E foi isto que Ribamar Bogéa fez. Colocou os insultos a Victorino Freire, mas publicou as respostas e o desafio que ele lançou aos líderes oposicionistas para que todos renunciassem aos seus mandatos, incluindo o seu, e partir para nova eleição. O pau cantava dos dois lados e o povo começou a enxergar com clareza, livre da opacidade das emoções.
Noticiava os incêndios, as agressões aos victorinistas, os excessos cometidos pelos soldados da liberdade. Não livrava ninguém. E a linguagem era solta, transformando cenas trágicas em cômicas, como a do caso de um elemento identificado como capanga de Victorino Freire que, seguro pelos soldados da liberdade, gritou "Gente, me solta. Não sou capanga não. Sou ladrão!" E assim o desconhecido, que andava de maneira suspeita, livrou-se de uma surra e foi solto pela multidão irada.
Quando o TSE decidiu, por unanimidade, que o governador do Maranhão era Eugênio Barros, corroborando a decisão do TSE, o Jornal PEQUENO publicou e acompanhou com seu noticiário as reações em São Luís.
A chegada de Eugênio Barros a São Luís, num vôo do Loyde Aéreo, no dia 18 de setembro de 1951, com itinerário, saindo do aeroporto do Tirirical, chegando à Praça Deodoro, tomando a Rio Branco, descendo a Rua Jansen Müller, alcançando a Beira-Mar, passando por baixo do viaduto da Avenida Pedro II e entrando no Palácio dos Leões, livrou-o do confronto com os soldados da liberdade, que se concentravam na praça João Lisboa. Um incidente ocorreu com o ônibus de Rosário que, por chegar minutos atrasado, perdeu de entrar no cortejo de recepção a Eugênio Barros.
O motorista apressado e imprudente, da Praça Deodoro, em vez de descer a Rio Branco, entrou pela Rua do Sol, saindo na Praça João Lisboa, onde um dos passageiros disparou duas vezes sua arma, provocando os soldados da liberdade, que correram em direção ao ônibus, que alcançava o paralelo 38, uma linha imaginária que isolava o povo revoltado do Palácio dos Leões, à altura do Hotel Central e da Igreja da Sé; e a Praça Benedito Leite, da Avenida Pedro II. Precisamente nesse local, a Polícia abriu fogo pensando que eram destemidos oposicionistas. Trinta e nove pessoas saíram feridas, morrendo dois no local: Henrique Prazeres, o Joli, e José Carpinteiro. Entre os feridos, o deputado estadual Ivar Saldanha. O Monsenhor Dourado e Antônio Pereira morreram quando recebiam atendimento médico, elevando para quatro os mortos.
Mesmo com Eugênio no poder, as agitações nas ruas continuaram. Até que Carlos Lacerda, no Rio, denunciou que o general Edgardino Azevedo Pinto fomentava a greve aspirando ser o interventor. Essa denúncia moderou mais o general Edgardino e a vinda de Negrão de Lima, ministro da Justiça, a São Luís, arrefeceu os ânimos.
A tranqüilidade voltou a São Luís, gradativamente, com a retirada das tropas do 23°, 24° e 25° BC das ruas e o retorno da Polícia Militar, para assegurar a ordem pública.
As duas greves de São Luís registram nominalmente cinco mortos: José Prado (atingido por um tiro de fuzil disparado por um soldado da Polícia Militar, na praça João Lisboa, no início de 1951, na primeira greve, quando o Diário de São Luís foi destruído pelo povo enfurecido). Antônio Pereira, José Carpinteiro, Henrique Prazeres e Monsenhor Dourado. As dezenas de mortos, alguns enterrados vivos no cemitério por ordem médica, acredita-se agora que eram frutos do imaginário coletivo, fertilizado pela eloqüência dos oradores das Oposições Coligadas, pois até hoje nenhuma viúva ou órfão se apresentou para denunciar a morte de seu marido, pai ou filho. Os mortos, na realidade, foram cinco.
O Jornal PEQUENO acompanhou com imparcialidade a greve de São Luís, emergindo dela como o jornal que não contracenava com os poderosos, fossem eles da oposição ou do governo. Mas fiel aos sentimentos do povo, adotou uma linha editorial de combate a Victorino Freire (na época personificava poder), sem no entanto negar espaços para as suas defesas.
Essa linha anti-victorino atravessou os anos 50, chegando aos anos 60, quando José Sarney se lançou candidato a governador. O Jornal PEQUENO abraçou a sua candidatura, dando total apoio - Sarney eleito em 65, desbancou Victorino Freire e Newton Bello. Este pretendia ser o novo homem forte da política maranhense. Porém, em vez de criar condições para uma política mais democrática, montou um sistema para se perpetuar no poder até hoje. Participou das escolhas ou eleições de todos os governadores que o sucederam desde 1970, transformando seus amigos e parentes em políticos ou em fortes empresários, sob o manto protetor do poder.
Por sua linha independente em seu primeiro ano - 1951 - o Jornal PEQUENO sofreu pressões tanto da oposição quanto do governo. Mas o primeiro entrevero em que se envolveu não foi com político, mas sim com um médico. Logo depois com um oficial do exército, que o levou à Justiça. Entretanto, o desembargador Antônio Moreira mandou arquivar o processo, por considerá-lo sem consistência legal.
No governo Eugênio de Barros, o Espírito de Porco foi mal interpretado e figuras da alta cúpula do governo invadiram a redação e oficina, quebraram-nas e com seus capangas agrediram Ribamar Bogéa. Isto foi à noite. No outro dia, o Jornal PEQUENO circulou normalmente, relatando a sua própria depredação.
Nos anos 60, Sarney governador, o Jornal PEQUENO abriu as comportas contra os seus métodos políticos e administrativos, foi processado e, por pouco, livrou-se de ser fechado e o seu diretor-fundador preso.
Somente se salvou pela argumentação de Ribamar Bogéa e pela defesa do então deputado federal Henrique de La Rocque Almeida, que mostraram a verdade. Em Brasília, por unanimidade, a Justiça absolveu Bogéa e o Jornal PEQUENO.
Hoje, após 50 anos de existência, identificando-se com o povo de São Luís, o Jornal PEQUENO não se deixa manipular por grupos políticos e se distancia de paixões para poder interpretar os sentimentos populares, doa a quem doer. (Os jornais que nestes 50 anos surgiram pelas mãos de políticos ou grupos políticos conheceram dias de glória, quando os seus donos eram poderosos e desapareceram, quando eles fracassaram, pois tinham como missão tão-somente defendê-los. Nestas últimas cinco décadas, só dois jornais resistiram: o Jornal PEQUENO e O Imparcial).
O Imparcial soube se equilibrar nas tempestades das paixões políticas e hoje funciona com modernos equipamentos, como uma autêntica empresa de comunicação. E o Jornal PEQUENO, que até 1994 continuava como iniciou, com suas linotipos e seus tipos móveis, a partir de 1995 entrou num processo de renovação de seu parque gráfico, substituindo gradativamente as antigas máquinas por computadores e impressora off-set.
José Ribamar Bogéa, fundador do Jornal PEQUENO, conseguiu colocá-lo no contexto de comunicação do Estado como o Órgão das Multidões, que não se deixa dominar pelos ricos e poderosos, constituindo uma voz que expressa o pensamento do povo.
No princípio da década de 90, Ribamar Bogéa passa, definitivamente, a direção do jornal aos seus filhos e a sua editoria geral, especificamente, a Lourival Bogéa.
Quando Ribamar Bogéa faleceu, em março de 96, tinha alcançado seu objetivo que era de construir um jornal que se prolongasse além de sua morte e continuasse dentro da mesma linha em que surgiu no ano de 1951: livre da influência de grupos políticos e econômicos, capaz de transformar os sentimentos do povo em sua opinião.
(Por Ademário Cavalcanti)
Fonte: Jornal Pequeno.
O “Jornal Pequeno” foi o único pilar sólido de oposição a esse longo período de quase cinqüenta anos da oligarquia Sarney no Maranhão.
ResponderExcluirParabéns ao Ademário pelo excelente resumo, e ao blog pela reprodução.
Abraços.